4.11.05

Linda

Estás a dormir ao meu colo. Dou-te beijinhos e sabe-me a antibiótico. Toda a tua cara está esbranquiçada, resquícios do remédio que odeias e que fazes questão de cuspir e esfregar por onde podes. Eu bem repito que é para teu bem, para te pores boa, voltares a comer e engordares um bocadinho para ver se te podemos comprar uma cadeira de carro como deve ser. Não me ligas nenhuma. Ameaço-te que vais andar no ovo até aos 18 anos e tu ris-te. Ficas com os pés completamente de fora mas nem isso te abre o apetite. Quem é que te manda a ti teres percentil 25 de peso e 75 de altura. Por este andar vais andar primeiro do que te sentares virada para a estrada.

Será que já te posso ir pôr na cama ou assim que te soltar dos meus braços vais acordar? Isto de escrever só com uma mão não está com nada. Sinto-me toda lambuzada e a culpa é tua. O xarope é assim tão mau? Bom não deve ser mas no papel diz que sabe a framboesa. Lembra-me para nunca te dar framboesas, és capaz de cuspir tudo e aquilo deixa nódoas. Quando estás a dormir pareces-me perfeita. Não que não sejas perfeita acordada mas assim posso observar-te melhor porque estás quieta que é coisa que não acontece contigo acordada.

A chucha já foi fora, é mesmo só para ajudar a adormecer, neste caso foi para o antibiótico não ser todo cuspido. Só de pensar que ainda vais ter de tomar isto até segunda-feira, até me arrepio toda. Já estás na cama. Assim dormes melhor e eu descanso o braço. Oito quilos de gente e o meu braço todo dorido de te amparar a cabeça. Mal te pousei, rebolaste logo e vá de espetar o rabo. Não há outra posição que mais gostes para dormir.

... Foi sol de pouca dura. Mal virei costas, imediatamente te puseste de pé. Quer dizer que não estavas a dormir e isto foi para me enganar? Agora tentas a todo o custo escrever no teclado. As tuas mãos estão pegajosas, maldito medicamento. Acho que precisas de uma fralda nova. Como se não bastasse o ódio que lhe tens, o antibiótico ainda te provoca um grandessíssimo desarranjo intestinal.

Falso alarme, mas ganhaste na mesma uma fralda limpa... que acabaste de sujar. E agora tenho a certeza que não é falso alarme. E mais um babygrow para lavar... Começo também eu a odiar esse antibiótico. Aperto bem as fraldas, verifico sempre os elásticos nas pernas, até já fraldas n. 4 (para as quais ainda não tens peso) experimentei. Mas volta e meia vem tudo por fora.

És linda sabias? J á te disse? Acho que sim mas nunca é demais dizer. Eu sei que sou suspeita mas apesar de tua mãe acho que mantenho uma réstia de lucidez que me permite ver que és mesmo linda. Isso e os elogios constantes de quem não te conhece de lado nenhum porque dos avós e dos próximos não conta. Como há bocado na farmácia em que as técnicas estavam todas derretidas contigo e quando virei costas para sair ainda ouvi dizer “Tão gira, e tão simpática”. Ou da outra vez em que atravessei o centro comercial contigo ao colo pela primeira vez (porque normalmente vais no teu carrinho) e me senti uma verdadeira estrela de Hollywood porque as pessoas não tiravam os olhos de ti, desfeitas em sorrisos envergonhados enquanto tu distribuias adeus e sorrisos desdentados a quem os quisesse ver.

Palavras para quê? Amo-te.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Estava eu a enviar umas mal alinhavadas linhas de um autódromo em Espanha quando me lembrei de ir ver os blogues dos meus amigos (sim, amigos, acabemos com o limbo),quando tropecei nesta prosa. Despertou-me algumas emoções antigas. Não, não é vontade de ser pai, não seria justo condenar um puto a ter um pai mais criança que ele (ou ela). Só que me apetece aterrar depressa na Portela e ir a correr dar um beijo na minha mãe.

Vá lá perceber-se isto.

4:02 da tarde  
Blogger Andrêa said...

E ela é mesmo linda...
As melhoras!
Beijocas

1:48 da tarde  
Blogger Ana Rangel said...

Lindo, lindo, lindo... adorei! :)

Beijinhos!

5:19 da tarde  

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