11.11.04

Mixed feelings

Foi assim que o meu chefe descreveu há dias uma situação que o envolvia e que não interessa para o caso. E é assim que eu me sinto ultimamente também.

Quero e não quero ir para casa já. Quero porque estou cansada. Porque estou permanentemente com sono. Porque durmo mal de noite por falta de posição confortável ou sucessivas idas à wc. Porque tenho insónias às 3 ou 4 da manhã e depois já não consigo dormir. Porque me doem as costas quase em estado permanente e a mão agarrada ao rato não ajuda nada. Porque de manhã me levanto mais cansada do que quando me deito. Porque já não aguento o mesmo ritmo. Porque o coração bomba mais forte e às vezes me deixa de rastos. Porque não consigo subir um lance de escadas, porque cada perna pesa uma tonelada. Porque me sinto enorme apesar de quem me conhece me dizer que estou muito bem e que só tenho mesmo é barriga e de resto nada se nota. Porque me custa conduzir todos os dias uma hora de manhã e outra à tarde em pára-arranca sempre a sentir contracções. Quero porque ainda tenho muito que comprar e preparar e deixar arranjado à espera da bebé. E enquanto não estiver tudo pronto, não vou descansar porque sou mesmo assim, tenho a quem sair e não há nada a fazer.

Mas ao mesmo tempo não quero porque é a trabalhar que me sinto útil. Que me sinto produtiva (apesar de ultimamente não estar a ser quase nada porque as células cinzentas já emigraram para outras paragens) e em casa vou fartar-me rapidamente e ficar só a engordar sentada no sofá. Porque depois são muitos meses fora e parece que o mundo me vai passar ao lado. Porque não tenho vocação para dona de casa e acho estupidificante tentar sê-lo sem estar também presente no mundo exterior. Porque vou ter saudades da lufa-lufa do dia-a-dia, das tricas do escritório, do barulho dos teclados, do riso dos colegas, da vida tal como ela é no mundo real. Porque quando for para casa vou ter mais tempo para ficar à espera, para stressar, para pensar ainda mais em todos estes sentimentos e vou ter menos com que me distrair.

Quero e não quero que a minha filha nasça já (já já, também não, mas mais cedo do que a dpp). Quero que nasça mais cedo porque não quero passar nem o Natal nem a passagem de ano no hospital apesar das probabilidades serem elevadas. Quero que nasça porque quero ver como é, descobrir as parecenças, começar a conhecer-lhe as manhas, passar horas a olhar para ela, comover-me só de a ver, babar-me quando me disserem que "é tão linda" como se diz sempre de todos os bebés. Quero porque já estou com saudades de vestir roupa de pessoa normal, de poder entrar em lojas normais, de conseguir ver os meus próprios pés ou qualquer coisa abaixo da cintura já agora, de me dobrar para atar os sapatos sem ficar com os bofes de fora, de poder fazer a minha vida normal sem achar que estou a prejudicar a minha filha por andar muito no supermercado, ou estar de pé, ou subir e descer de bancos, ou pegar em coisas mais pesadas. Porque estar grávida é engraçado, toda a gente nos dá muita atenção e se preocupa connosco mas neste momento acho que já chegava, 7 meses é mais que tempo para sentir o estado de graça na sua plenitude, a partir daqui é só desconforto e a natureza devia encarregar-se de não nos provocar isso. Porque no que diz respeito a bebés eu sei hoje o mesmo que vou saber daqui a um mês, ou seja, nada, e quando ela estiver cá fora, logo se vê! Por isso é que acho que já chega.

Mas ao mesmo tempo não sei se quero. Porque não sei se sou capaz de dar conta do recado. Porque apesar do parto não me assustar minimamente (voltamos à história da cólica renal e da dor de dentes e tem de ser porque tem de ser e o que tem de ser tem muita força) o "depois" deixa-me petrificada. Ter um ser daquele tamanho inteiramente a depender de nós é para mim a sensação mais assustadora do mundo. Porque não vêm com livro de instruções, porque tenho ideia que escorregam sempre no banho, porque são minúsculos e tenho medo de os "partir", porque não lhes sei pegar, porque não sei dar biberão, porque nunca mudei uma fralda na vida, porque é muita responsabilidade, porque até agora a minha relação com bebés era de olá, bilu, bilu, e agora vai à mamã para te calar, consolar, limpar, mudar a fralda, dar de mamar, aturar...Porque apesar do meu BI dizer 1972 não me sinto nem de perto nem de longe com estaleca para mãe de família, porque não sei se sou capaz de arcar com o peso do mundo. Por outro lado, sou optimista por natureza e acho que vai sempre correr tudo bem, que tudo se há-de compor e nunca perco a esperança porque a seguir a um dia mau, de certeza que o outro não pode ser pior. Por isso é que acho que no final das contas, depois do pânico inicial, não vai ser tão complicado assim.

Será assim tão mau ter mixed feelings?