8.3.04

Tu não percebes

Até ao dia em que o Senna morreu, eu costumava ver quase todos os grandes prémios na televisão. Depois desse dia nunca mais vi nenhum. Já está quase a fazer 10 anos. Eu era Senna, o meu irmão era Prost. Tinhamos as nossas guerras, claro, como todos os irmãos. Torcer pelos mesmos não teria a menor piada. Hoje em dia pergunto-me a mim mesma como é que alguma vez tive paciência para passar duas horas de um domingo a ver carros às voltas numa pista mas a verdade é que na altura aquilo tinha uma certa graça. O Ayrton tinha carisma, mesmo para alguém que como eu não percebia nada de carros, menos ainda de Fórmula 1 e ele lá estar era o suficiente para eu ficar agarrada à televisão. No dia do funeral, ao ver aquele cortejo gigantesco como nunca voltei a ver nenhum igual, vieram-me as lágrimas aos olhos, como se fosse alguém de família ou um amigo chegado. Ele tinha qualquer coisa, lá isso tinha. E se não tivesse morrido as coisas teriam certamente sido diferentes. Há quem até tenha feito festa mas isso dava para outra história...

Só entrei uma vez no Autódromo do Estoril e foi para ver um Troféu Clio ou qualquer coisa assim. Com convites, claro, e a promessa de um concerto, acho que dos Ritual Tejo, que depois acabaram por não tocar por causa da chuva. Não me lembro de nada em particular a não ser que chovia torrencialmente e o Mira Amaral estava nas bancadas. E que nos deram brindes alusivos ao Twingo que estava nessa altura em fase de lançamento (umas canetas, bonés, uma coisa assim). Estão a ver por aqui o que eu ligo a corridas de carros.

No Colégio onde andei entre os 10 e os 14 anos, nas vésperas dos GP, ouvia-se o "roncar" dos bólides, às sextas-feiras à tarde. Podem acreditar, não sei bem quantos quilómetros vão de Meleças ao Estoril mas nós ouviamos de facto os Fórmula 1 nos treinos. E se ali parecia que nos estava a passar um comboio por cima, nem quero imaginar como é que não se deve ouvir lá perto, deve ser o suficiente para precisar de uma prótese auditiva para o resto da vida.

Jamais me passaria pela cabeça ir ver uma corrida ao vivo. Pronto, se tivesse bilhetes de borla talvez, com a ajuda de uns tampões bem fortes. Se o Senna fosse vivo até era capaz de pensar nisso a sério, era o único que me faria mudar de ideias. Mas na verdade, qual será a graça de ver passar carros a espaços a 300 kms à hora? Pelo menos na televisão vê-se tudo. "É o barulhinho" diz ele, "tu não percebes". Pois não, tem razão, não percebo mesmo. Há coisas que nunca vou perceber. Mas também não tenho pretensões a isso.